Fetichismo, shibari e moda: saiba o que é o BDSM, comunidade mundial que vai muito além do prazer sexual
BDSM significa Bondage, Dominação e Sadomasoquismo Diogo Del Cistia/g1 Dominação e submissão, prazer e satisfação, látex e vinil, velas e outras coisas ...

BDSM significa Bondage, Dominação e Sadomasoquismo Diogo Del Cistia/g1 Dominação e submissão, prazer e satisfação, látex e vinil, velas e outras coisas mais. Quando a palavra sadomasoquismo é levantada em uma roda de conversa, muitas pessoas relacionam a palavra diretamente às dores e a algo totalmente sexual. Mas você sabia que, na verdade, esses dois pontos são os menos relevantes para todo um universo que existe sob nossos narizes? Para o Dia do Sexo, celebrado neste sábado (6), o g1 visitou o Café Secrets, estabelecimento em Sorocaba (SP) voltado ao conhecimento e à prática do Bondage, Dominação e Sadomasoquismo (BDSM), para entender melhor como o estilo de vida é aplicado no dia a dia. 📲 Participe do canal do g1 Sorocaba e Jundiaí no WhatsApp A proprietária do local, Israela Santiago Mariano, explica que inaugurou o estabelecimento em novembro de 2023, com o intuito de ser uma cafeteria com propósitos eróticos, mas algumas pessoas ficavam assustadas ao perceber do que realmente se tratava. "Às vezes, nós queremos mostrar algo secreto de nós que sempre está transbordando. Antigamente, o café abria de manhã, mas sempre assustava por ter essa estética mais sensorial e vibrante. Nós servíamos o café com uma pitada de prazer, havia nádegas de chocolate e coisas que remetiam aos órgãos sexuais femininos e masculinos. As pessoas levantavam e saíam", lembra. LEIA TAMBÉM Boudoir: ensaio de fotos sensual eleva a autoestima e a confiança Saiba quais alimentos e bebidas podem funcionar como estimulantes sexuais Desde então, a empresária decidiu manter o horário de funcionamento do local apenas à noite. Agora, a proposta é ligeiramente reformulada e considerada radical para algumas pessoas devido à prática do BDSM, mas, para a empresária, a reação é normal e pode ser descrita como um tabu. "O ser humano tem muito medo do desconhecido e nem experimenta para ver do que realmente se trata. As pessoas ainda têm tabus quando falamos sobre sexualidade e prazer. Aqui é um lugar feito para que nós possamos experimentar todas as coisas. Assim, nós acabamos atraindo diversas tribos diferentes e muita gente frequenta o café", explica. Israela, que é formada em letras, conta que sempre teve traços de personalidade relacionados à dominação e considera isso como a principal porta de entrada dela para o BDSM. Dentro do café, ela se autodenomina Rainha Isa. "Eu sou uma pessoa bastante fetichista e isso veio me consumindo. Há muitos anos, conheci algumas casas na capital que me deram a oportunidade de agir como uma dominadora. Sou uma pessoa muito mandona, sempre gostei de ter homens aos meus pés. Fui percebendo que meu corpo vibrava nessa potência e que isso me trazia uma sensação de prazer, poder e alegria", conta. Afinal, o que é o BDSM? Estabelecimento de Sorocaba foi inaugurado em 2023 Diogo Del Cistia/g1 Para Israela, que também é massoterapeuta, a sigla é um estilo de vida que possui diversas vertentes. Ela explica que, no passado, o BDSM foi classificado como um transtorno por estudiosos e psiquiatras - acusação que é veementemente refutada e rejeitada pelos praticantes. "O BDSM está longe de ser um hobby. É o pulsar do meu coração e dos outros praticantes. Quando entramos nesse mundo, nós não saímos mais. É a certeza de que estamos vivos. Para nós, é simplesmente a prática de algo que gostamos muito", comenta. Apesar de toda a sensação de prazer, Israela lembra que nem sempre foi dessa forma. Assim como as pessoas que ficaram assustadas ao serem servidas com um "café erótico", ela também sentiu muito medo e insegurança ao se aprofundar nas práticas masoquistas. "Todos nós passamos por fases assim, mas nós temos o fator da curiosidade, que faz superar qualquer dificuldade. Tive medo, sim, de não saber como é que eu faria com tudo aquilo. De não ter cuidado como dominadora, de não saber qual era o limite da outra pessoa. Já chorei bastante também, é uma sensação de descarga", compartilha. A dominação e a submissão de mulheres para homens são as favoritas da empresária, mas há outras práticas que também chamam a sua atenção. Entre elas, está a podolatria - fetiche voltado unicamente para pés -, e o uso do látex e do vinil como vestimenta. "A questão do sensorial das texturas do látex, do vinil e do couro existe. O BDSM também é sobre moda. Eu gosto de usar roupas bastante apertadas e é justamente isso que me causa prazer. Existem pessoas que me pedem vídeos usando roupas assim, há outras que gostam de ouvir o barulho que as roupas fazem. Na verdade, o BDSM nem tem tanto sexo assim", pontua. Luiz Freitas, parceiro de Israela e mentor do projeto, acredita que a prática foi erotizada pela indústria para ser vendida como um produto. Na realidade, o BDSM não possui nenhum tipo de entrega sexual como objetivo principal. "O universo BDSM não é sexualizado e a entrega dele não é o orgasmo sexual. Nós procuramos outro tipo de movimento. Ultimamente, a indústria do sexo tem se apropriado de elementos nossos, tanto que muitos portais pornográficos possuem uma aba voltada somente para isso. Por conta disso, acabam passando uma imagem hipersexualizada de nós que não é verdade", opina. Os três pilares da prática, segundo Israela, são compostos pela sigla SSC: São, Seguro e Consensual. Para entrar no universo, ela aconselha conhecer bem a pessoa que será responsável pelas trocas masoquistas e combinar sinais para identificar limites. "A pessoa tem que mergulhar no seu 'sim' e colocar a segurança sempre em primeiro lugar. Existem pessoas que chegam nos lugares e falam: 'Ah, quero apanhar'. Não é assim que as coisas funcionam. Temos que entender os limites dos outros e usar o 'verde, amarelo e vermelho'", conscientiza. Homem visita o local para ser 'escravo' da dona Diogo Del Cistia/g1 "Para algumas técnicas, existem algumas 'palavras de segurança' combinadas entre os parceiros para delimitar as atividades. Mas há casos em que não dá, como os em que o submisso usa mordaça. Por isso, também dá para combinar gestos ou usar luz e lanterna. É muita confiança e conversa entre os envolvidos", completa. Junto à prática do BDSM, o Café Secrets oferece apresentações de shibari. Rafael Ribeiro, que é proprietário do local junto a Israela, a arte japonesa consiste na retenção de movimentos, amarrando a pessoa com cordas, correntes e algemas. "No Japão, a prática era usada na era feudal, inicialmente como tortura para prisioneiros. As autoridades prendiam e faziam os interrogatórios dessa forma. Existe o estado de masoquismo no BDSM, e quem gosta do shibari gosta mais de sentir dor, mas é uma dor de desconforto que evolui para prazer", explica. De acordo com Rafael, o envolvimento com o parceiro é essencial. Ele aprendeu a arte japonesa com outro mestre que, antigamente, frequentava o café. "Tudo tem a conotação do erótico. Além da retenção, existe toda uma narração que é feita a partir de um envolvimento com o parceiro. Eu me encantei pelo shibari assim que tive meu primeiro contato com a técnica. Fui fazer até fora, como em Curitiba (PR) e na capital", revela. Relação com os filhos e preconceito Israela se autodenomina Rainha Isa Diogo Del Cistia/g1 Israela divide a carreira de "rainha" com um fator muito importante de sua vida: a maternidade. Mãe de três, ela comenta que não possui problemas em contar aos filhos o que faz da vida. "Eu tenho três filhos: um de 18, um de 10, que possui Transtorno do Espectro Autista (TEA), e uma menina de oito. E eles sabem o que eu sou e o que faço. Às vezes, perguntavam à minha filha na escola o que eu sou e a resposta era: 'Uma rainha dominadora'. Hoje, eu simplifico dizendo que sou artista", descreve. "Para a minha filha, é algo bem natural. Ela entende numa boa. O mais velho é um jovem que não é muito chegado nessas coisas. O do meio entende muito bem também. As pessoas acham que, por ter TEA, não entende. Mas ele é uma pessoa inteligentíssima. Eu sou isso mesmo, sou mulher e dominadora", complementa. Por conta disso, o preconceito sempre foi um tema muito recorrente na vida da profissional. Muitas vezes, as pessoas confundiram o café com uma casa de troca entre casais e acabaram se afastando da proposta oferecida. "As pessoas confundem demais esse tipo de coisa. Aqui é um espaço de livre expressão, onde o envolvimento não é nada sexualizado. Nós trabalhamos com a linguagem e o prazer, e existe um mural de regras bem grande dizendo o que é e o que não é permitido", diz. A Rainha Isa e seu 'escravo' Israela e Schiavo, 'escravo' dela há dois anos Diogo Del Cistia/g1 Durante todo o período da entrevista de Israela ao g1, ela esteve com os pés apoiados nas costas de Schiavo [nome fictício], que, segundo a empresária, é seu "escravo" há dois anos. Com uma máscara facial e as nádegas parcialmente à mostra, o homem é totalmente submisso às vontades da mulher. Apesar de se conhecerem há dois anos, Israela conta que nunca viu o rosto do homem. Ele aparece regularmente no café para servi-la, não costuma falar e, para transitar pelo local, usa uma coleira e apoia-se nos quatro membros. "Nós temos muitos limites e nos conectamos de uma forma muito gostosa. Apesar de eu gostar de ser chamada de rainha, nossa comunicação é com ele me chamando de senhora. Eu tenho outros 'escravos', mas ele é o meu preferido", detalha. A relação de Israela com Schiavo vai além: apesar de não envolver nada sexual, ele geralmente mantém a localização em tempo real do telefone ativada, para que ela saiba onde ele está. "Nossa relação é muito de confiança. Ela vai de 'como vai a sua família' para uma amiga desejando sorte, para uma mensagem de 'bom dia' e até mesmo um 'preciso de você agora'. Nós temos conversas muito íntimas. Ele é um dos meus afetos, mas é um tipo de afeto diferente", pontua. Dupla mantém relação de domínio Diogo Del Cistia/g1 Schiavo, com o aval de sua "senhora" e sempre deitado no chão para apoiar os pés de Israela, conta que sua relação com o BDSM existe há cerca de 30 anos, mas ele percebeu, com o passar dos anos, que, na realidade, já existia antes mesmo de saber o que era o termo. "Assim como uma pessoa homossexual, eu nasci dessa forma. Não teve nenhuma descoberta, eu já sabia desde criança. Quando eu brincava com as minhas primas, eu gostava de ficar 'de castigo' para apanhar delas. Eu sempre pedia para ser castigado. Essa submissão às mulheres sempre existiu em mim", revela. Na visão do "escravo", a relação com a proprietária do local pode ser definida como transparente. Mesmo sem características comuns de uma relação interpessoal, como saber o rosto da pessoa, eles possuem trocas que ele afirma serem profundas e importantes para ambos. "São liberdades de falar coisas que um casal dificilmente falaria. O nível das entregas é muito bom. Além de falarmos coisas, nós fazemos coisas. É algo muito diferente", comenta. Para Schiavo, o prazer maior é se sentir submisso às mulheres ao redor. Isso, na visão dele, é comparável a prazeres considerados "comuns" do ponto de vista da população geral, como carros e viagens. "É um prazer diferente e, não, sexual. As pessoas possuem prazer em viajar, em ter carrões, cada um gosta de uma coisa. Eu gosto de ser submisso. Cada um tem o seu tipo de prazer, e eu acredito que encontrei o meu em algo diferente", opina. "Eu me sinto muito acolhido da forma que sou no café, porque ele é diferente. Existem clubes assim nas regiões metropolitanas, mas são sempre muito fechados. O café é mais aberto e isso é uma forma de acolher pessoas que estão interessadas no assunto, mas têm vergonha ou não sabem como se introduzir. Eu já passei por isso", acrescenta. Israela usa uma vela para escrever seu nome em adepto à prática Diogo Del Cistia/g1 Olhando para o futuro Com o sucesso crescente do Café Secrets, a proprietária sonha em expandir franquias por todo o país. Para ela, o reconhecimento é uma peça-chave para o desenvolvimento do local. "Eu sonho muito com a expansão junto do Schiavo, do meu marido e dos meus companheiros por perto. Nós sempre conversamos sobre a questão da empresa em si. Quero que as pessoas vejam o símbolo do café e ele seja reconhecido", almeja. "A curto prazo, eu quero que as pessoas possam ver, entender e se divertir. Que a porta vai estar sempre aberta para viverem e curtirem as próprias vontades secretas sem sentir medo, que não há nada demais em ser você", finaliza. O Café Secrets está localizado na Rua Almirante Barroso, 165, na Vila Independência. Israela é adepta à prática do BDSM Diogo Del Cistia/g1 Israela com adeptos à prática do BDSM Diogo Del Cistia/g1 Dominatrix explica o que é a relação BDSM *Colaborou sob supervisão de Gabriela Almeida Veja mais notícias da região no g1 Sorocaba e Jundiaí VÍDEOS: assista às reportagens da TV TEM